sexta-feira, 28 de maio de 2010

Há Palavras Que Nos Beijam

Alexandre O'Neill (n. 19 Dez 1924 , m. 21 Ago. 1986)

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

The Raconteurs - Steady As She Goes

Queens Of The Stone Age - The Lost Art Of Keeping A Secret

Amália Hoje - A Gaivota

Snow Patrol - Run

Black Francis - Your Mouth Into Mine

domingo, 23 de maio de 2010

Poema do Silêncio

José Régio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

sábado, 15 de maio de 2010

O Primeiro Dia
Sérgio Godinho

A principio é simples, anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burburinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

Sergio Godinho - Com Um Brilhozinho Nos Olhos

Carlos Paredes - Verdes Anos

Stone Sour - Through Glass

Melanie Fiona - It Kills Me

Bob Andy - Life

Horace Andy - Natty Dread A Weh She Want

Big Youth - Natty Dread She Want/Soldering

Fantan Mojah - Stronger

ZEDISANEONLIGHT - Give You My (Love)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

...

Pergunto-me se ficou alguma coisa por dizer, alguma ponta solta do fio que quebrou. Já gritei e não resulta. Um silêncio assustador entre nós e os sinais de vida são tão ténues que até parece que já não existes. Até parece que morreste. Pergunto-me se te abraçei o suficiente. As respostas são tão vazias como a tua presença no sofá da sala, com as pernas cruzadas á chinês. Grita, faz qualquer coisa para eu sentir que estás aqui ao meu lado. Quero ir para a tua beira, estejas onde estiveres. Mostra-me o caminho, aparece-me num sonho e diz-me quando é que vou voltar a ver-te.
O teu último suspiro não me sai da cabeça. Eu sei que estás em paz agora, sei que as dores desapareceram, sei que o cancro morreu contigo e que os tumores são agora cinzas como tu. Afinal sempre vencemos o cancro, Papá. Há tanta coisa que eu não sei. E eu pensava que sabia tudo. Só agora me apercebi de verdade que não voltas, que deixas-te de existir. E doi tanto. Como é possível? Ainda á uns dias atrás falavas, respiravas, mandavas vir comigo e rias-te a seguir. Pergunto-me como é que a palavra saudade só existe em português se morre gente em todas as línguas. E sinto a coragem a fugir-me, fazes-me tanta falta.
Quero tanto abraçar-te, tocar-te nas mãos e nas veias salientes como fazia quando era pequeno. Mexia-te nas orelhas frias e sentia-te ao meu lado outra vez. Anda beber uma cerveja comigo á esplanada na aguda, a mamã não está a ver. Vem mostrar-me o Porto e onde brincavas quando eras pequenino. Fala-me de negócios impossíveis, das tuas histórias nas boates, dos tempos da guerra. Foste sempre um soldado, Papá. Conta-me dos teus tempos de estudante e fala-me dos tempos que passas-te em Évora. Suspira-me sobre as tuas antigas namoradas, sobre as aventuras dos teus amigos ricaços, do tempo em que eras rei do teu mundo. Agora sou eu quem ocupa o teu lugar na mesa. Tudo isto parece um pesadelo. Mas aprendi uma lição aos vinte e três anos. Aprendi que o amor vence tudo. É óbvio que a morte ninguém vence. Nem um guerreiro como tu. Mas estivemos ao teu lado até ao fim, junto a ti nesta última batalha. E enchemos-te de carinho e amor verdadeiro até ao último segundo. Partis-te connosco abraçados a ti e aposto que não tiveste medo. Um homem como tu não tem medo. Eu tenho. Tenho tanto medo do futuro sem ti ao meu lado para me ajudar. Sem o teu abraço. Sinto falta de ouvir a tua voz a acordar-me de manhã para me levantar, ou á noite quando adormecia no sofá até de madrugada e me acompanhavas até á cama. É tão difícil tudo isto, tão duro, tão incompreensível. Vamos dar uma volta de carro e ver o mar. Ensina-me a conduzir de novo que eu já me esqueci. Promete-me que não me abandonas, que de alguma forma ficas comigo. Eu sei que não podes ser só uma memória, eu sou parte de ti, porra! Acorda! Acorda-me deste sonho mau! Deixa-me ir dormir para o vosso meio como antigamente. Não estou preparado para esta dor. Vamos os dois ás compras, liga á mamã e pergunta o que falta em casa. Compramos camarão e fazes aquele petisco. Eu bem te pedi a receita, e agora?! Sei que leva limão e azeite, mas falta o resto. Falta seres tu a fazer. Vamos assar daquelas linguiças picantes em álcool. Vês! É por tua causa que estou gordo. Leva-me a trabalhar contigo, eu fico a ouvir música no carro á tua espera. Compra-me roupa, Papá. Vamos fazer as compras de natal. Eu sei que não temos dinheiro. Mas tu arranjas, sempre arranjas-te. Liga á avó Guidinha e diz que vamos lá almoçar! Já está o avô a mandar vir contigo, que chato. No caminho de volta vamos rir e falar mal dele. Mostra-me a casa de lavoura e conta-me histórias sobre o padrinho. Vamos á ria comer um prato de camarões e ficar com os dedos a cheirar a mar. Vamos até á ribeira almoçar e levamos o Jorginho. Ele quer vir também. Hoje é sábado, daqui a bocado é hora de jantar. Ficamos com a roupa a cheirar a comida, deixa-me adivinhar… a avó Emília fez assado. A seguir vamos todos tomar café ao parque. Tu ficas a conversar com o tio Jorge enquanto eu e o Jorginho vamos jogar á bola. A aipal deve estar a abrir para irmos comprar croissaints quentinhos. Amanhã é domingo e vamos almoçar a Maçeda. Já sei que tenho que acordar cedo, Papá! Não precisas de gritar.
Volta. Não sei o que tenho de fazer mais para te convencer a voltar. Desculpa. Eu sei que querias tanto estar aqui comigo, connosco. É tudo tão estranho sem a tua presença. Queria tanto que os meus filhos te conhecessem. Soubessem o avô fantástico que tu irias ser. O homem maravilhoso que tu és, Papá.
Faltam-me as palavras, no lugar delas nascem lágrimas. No teu lugar nasce uma saudade que não passa. Por hoje disse-te tudo e é tão pouco. Temos tempo, eu sei que estás aqui. Amanhã conversamos mais um bocadinho. Até ao dia em que nos vamos encontrar outra vez, Papá. Amo-te para sempre. Um beijo enorme do tamanho do nosso amor. Do tamanho desta saudade maldita.