segunda-feira, 21 de junho de 2010

sábado, 19 de junho de 2010

Catorze de Junho

José Saramago

Cerremos esta porta.
Devagar, devagar, as roupas caiam
Como de si mesmos se despiam deuses,
E nós o somos, por tão humanos sermos.
É quanto nos foi dado: nada.
Não digamos palavras, suspiremos apenas
Porque o tempo nos olha.
Alguém terá criado antes de ti o sol,
E a lua, e o cometa, o negro espaço,
As estrelas infinitas.
Se juntos, que faremos? O mundo seja,
Como um barco no mar, ou pão na mesa,
Ou rumoroso leito.
Não se afastou o tempo. Assiste e quer.
É já pergunta o seu olhar agudo
À primeira palavra que dizemos:
Tudo.

n Poesia completa, Alfaguara, pp. 636-637

St. Germain - Sure Thing

quarta-feira, 9 de junho de 2010

...

Eu regava a tua sepultura. Para que nascesses de novo, como as flores selvagens que não pedem licença para crescer por entre as pedras sinuosas. Se pudesse, tentava ver o mundo inteiro através dos teus olhos fechados. Mas o caminho é meu e hei-de o percorrer sozinho, sou obrigado pelas leis que regem a existência a ver o caminho através do meu olhar. E podia dizer que estás aqui ao meu lado, mas a verdade é que não sei se estás. Sei que enquanto exististe, estiveste a toda a hora comigo. E a única certeza que tenho é essa. É que nasceste para que eu vivesse. Para vivermos um para o outro. Para tu fazeres de mim um homem. Para darmos um sentido mútuo á nossa vida e para que eu tratasse de ti e te acarinhasse no fim. Sei que te fiz feliz e sabes que me fizeste feliz. Por isso doí tanto. Existem momentos em que me apercebo que partiste. Nos intervalos limito-me a dizer presente quando na verdade não me sinto.
Gostava que me reduzissem á mais pequena unidade do universo. E aí talvez percebesse o quanto tudo isto que vivemos é enorme. Por agora só de olhos fechados consigo ver-te e quando os abro dissipas-te na luz que nasce ao amanhecer. Será que no escuro continuamos a existir? Porque eu não me vejo. O quarto desaparece e eu só existo porque me ouço a respirar. Tu é que já não respiras no quarto ao lado. Mas ainda ouço aquela máquina de oxigénio a funcionar, a dar-te mais um pouco de vida. Será que é vida aquilo que respiramos? Eu respirei a tua alma, inspirei o teu último suspiro enquanto te abraçava e tu partias. Naquela noite, tu a resistir. E eu a fingir que dormia na cama ao lado. O amor não se finge. Há dias e imagens que são impossíveis de esquecer. E imagina se em meia dúzia de frases eu tivesse a arte para conseguir explicar o que é ver a pessoa mais importante para nós, simplesmente desaparecer. Tudo o que aconteceu valeu a pena pela simples razão de que não existe uma moral da história a tirar. A moral da história vem no último capítulo. E da maneira que vives em mim, que eu te respiro a cada segundo, estarás comigo para me acompanhar no final. E aí os meus filhos estarão a viver exactamente o mesmo que eu neste preciso momento, a tentar renascer das cinzas perante o vazio. A tentar tirar uma lição a partir do absurdo do facto de deixarmos de existir. Mas se tudo o que vivemos não teve nada de absurdo, muito pelo contrário. Então a morte tal como a vida, deve ter um sentido. No final de contas quando reduzidos á mais pequena unidade do universo, a vida e a morte não são duas linhas distintas mas uma linha bastante maior, infinita. E nós não nos limitamos a andar nessa linha como elementos exteriores. Nós somos a linha e percorremo-la não desde o momento em que nascemos, mas muito antes. Quando o universo decidiu arrefecer e expandir-se. Quando as estrelas decidiram colapsar e dar lugar a organismos que pudessem contempla-las. Portanto, nós somos pó de estrelas que morreram á milhões de anos e quando olhamos o céu vemos o nosso reflexo. Pequenos pontos de luz brilhantes na imensidão do universo. Ou seja, talvez quando deixamos de existir regressemos ao ponto de partida. Porque a luz e tudo o resto não existe por existir. Se fôssemos obra do acaso não teríamos a capacidade de perceber de facto que não somos obra do acaso. Somos o resultado de uma equação perfeita. De uma simbiose divina entre as forças da física e da química. Uma fusão entre matéria e oportunidade.
O verdadeiro legado que deixamos quando partimos são as nossas acções, pois essas, reflectidas nos outros poderão sobreviver á corrosão do tempo. Tudo o resto dissipa-se á medida que o universo expande. E o ponto de vista depende das escala a que observamos o mundo que nos rodeia. Porque podemos olhar milhares de vezes, exactamente para o mesmo ponto na parede e o que vemos é um ponto na parede. Mas há-de chegar um momento em que entraremos na sala e num clique de aparição esse ponto na parede é na verdade um buraco. E no interior desse buraco esconde-se um formigueiro onde milhões de formigas existem sem terem a noção da grandeza e da complexidade do mundo por trás da parede. A verdade é que nós somos essas formigas e provavelmente existe algo muito maior que nós a observar-nos.
Mas tudo isto não passam de histórias que invento, quando a luz está apagada e tu não estás. A manhã chega e continuas a não aparecer. Fecho os olhos novamente e num milésimo de segundo visitas-me. Guardo-te cá dentro, como se te atrevesses a fugir. Eu sou simplesmente o que resta de ti.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Mar Adentro

Ramón Sampedro

Mar adentro, mar adentro
nesse fundo onde não há mais peso,
onde se realizam os sonhos,
se juntam as vontades
para cumprir um desejo.

Um beijo acende a vida
com um relâmpago ou um trovão,
e numa metamorfose
o meu corpo não é mais o meu corpo,
penetrando o centro do universo.

O abraço mais verdadeiro
e o mais puro dos beijos,
até nos ver-mos reduzidos
a um único desejo:

O teu olhar e o meu olhar
como um eco que se repete, sem palavras:
mais adentro, mais adentro,
até mais além de tudo o resto
pelo sangue e pelos ossos.

Mas de todas as vezes acordo,
e quero sempre estar morto
para seguir com a minha boca,
enredado nos teus cabelos.

The Album Leaf - There Is A Wind

Jaill - Everyone's Hip

Beach House - Zebra

CocoRosie - Lemonade

Justin Nozuka - My Heart Is Yours

The BPA Feat. Emmy The Great - Seattle

New Young Pony Club - The Bomb

Frightened Rabbit - Swim Until You Cant See Land

Hercules And Love Affair - Blind

Fever Ray - When I Grow Up

M83- We Own the Sky

Moby - Everloving