quarta-feira, 9 de junho de 2010

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Eu regava a tua sepultura. Para que nascesses de novo, como as flores selvagens que não pedem licença para crescer por entre as pedras sinuosas. Se pudesse, tentava ver o mundo inteiro através dos teus olhos fechados. Mas o caminho é meu e hei-de o percorrer sozinho, sou obrigado pelas leis que regem a existência a ver o caminho através do meu olhar. E podia dizer que estás aqui ao meu lado, mas a verdade é que não sei se estás. Sei que enquanto exististe, estiveste a toda a hora comigo. E a única certeza que tenho é essa. É que nasceste para que eu vivesse. Para vivermos um para o outro. Para tu fazeres de mim um homem. Para darmos um sentido mútuo á nossa vida e para que eu tratasse de ti e te acarinhasse no fim. Sei que te fiz feliz e sabes que me fizeste feliz. Por isso doí tanto. Existem momentos em que me apercebo que partiste. Nos intervalos limito-me a dizer presente quando na verdade não me sinto.
Gostava que me reduzissem á mais pequena unidade do universo. E aí talvez percebesse o quanto tudo isto que vivemos é enorme. Por agora só de olhos fechados consigo ver-te e quando os abro dissipas-te na luz que nasce ao amanhecer. Será que no escuro continuamos a existir? Porque eu não me vejo. O quarto desaparece e eu só existo porque me ouço a respirar. Tu é que já não respiras no quarto ao lado. Mas ainda ouço aquela máquina de oxigénio a funcionar, a dar-te mais um pouco de vida. Será que é vida aquilo que respiramos? Eu respirei a tua alma, inspirei o teu último suspiro enquanto te abraçava e tu partias. Naquela noite, tu a resistir. E eu a fingir que dormia na cama ao lado. O amor não se finge. Há dias e imagens que são impossíveis de esquecer. E imagina se em meia dúzia de frases eu tivesse a arte para conseguir explicar o que é ver a pessoa mais importante para nós, simplesmente desaparecer. Tudo o que aconteceu valeu a pena pela simples razão de que não existe uma moral da história a tirar. A moral da história vem no último capítulo. E da maneira que vives em mim, que eu te respiro a cada segundo, estarás comigo para me acompanhar no final. E aí os meus filhos estarão a viver exactamente o mesmo que eu neste preciso momento, a tentar renascer das cinzas perante o vazio. A tentar tirar uma lição a partir do absurdo do facto de deixarmos de existir. Mas se tudo o que vivemos não teve nada de absurdo, muito pelo contrário. Então a morte tal como a vida, deve ter um sentido. No final de contas quando reduzidos á mais pequena unidade do universo, a vida e a morte não são duas linhas distintas mas uma linha bastante maior, infinita. E nós não nos limitamos a andar nessa linha como elementos exteriores. Nós somos a linha e percorremo-la não desde o momento em que nascemos, mas muito antes. Quando o universo decidiu arrefecer e expandir-se. Quando as estrelas decidiram colapsar e dar lugar a organismos que pudessem contempla-las. Portanto, nós somos pó de estrelas que morreram á milhões de anos e quando olhamos o céu vemos o nosso reflexo. Pequenos pontos de luz brilhantes na imensidão do universo. Ou seja, talvez quando deixamos de existir regressemos ao ponto de partida. Porque a luz e tudo o resto não existe por existir. Se fôssemos obra do acaso não teríamos a capacidade de perceber de facto que não somos obra do acaso. Somos o resultado de uma equação perfeita. De uma simbiose divina entre as forças da física e da química. Uma fusão entre matéria e oportunidade.
O verdadeiro legado que deixamos quando partimos são as nossas acções, pois essas, reflectidas nos outros poderão sobreviver á corrosão do tempo. Tudo o resto dissipa-se á medida que o universo expande. E o ponto de vista depende das escala a que observamos o mundo que nos rodeia. Porque podemos olhar milhares de vezes, exactamente para o mesmo ponto na parede e o que vemos é um ponto na parede. Mas há-de chegar um momento em que entraremos na sala e num clique de aparição esse ponto na parede é na verdade um buraco. E no interior desse buraco esconde-se um formigueiro onde milhões de formigas existem sem terem a noção da grandeza e da complexidade do mundo por trás da parede. A verdade é que nós somos essas formigas e provavelmente existe algo muito maior que nós a observar-nos.
Mas tudo isto não passam de histórias que invento, quando a luz está apagada e tu não estás. A manhã chega e continuas a não aparecer. Fecho os olhos novamente e num milésimo de segundo visitas-me. Guardo-te cá dentro, como se te atrevesses a fugir. Eu sou simplesmente o que resta de ti.

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