quinta-feira, 13 de maio de 2010

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Pergunto-me se ficou alguma coisa por dizer, alguma ponta solta do fio que quebrou. Já gritei e não resulta. Um silêncio assustador entre nós e os sinais de vida são tão ténues que até parece que já não existes. Até parece que morreste. Pergunto-me se te abraçei o suficiente. As respostas são tão vazias como a tua presença no sofá da sala, com as pernas cruzadas á chinês. Grita, faz qualquer coisa para eu sentir que estás aqui ao meu lado. Quero ir para a tua beira, estejas onde estiveres. Mostra-me o caminho, aparece-me num sonho e diz-me quando é que vou voltar a ver-te.
O teu último suspiro não me sai da cabeça. Eu sei que estás em paz agora, sei que as dores desapareceram, sei que o cancro morreu contigo e que os tumores são agora cinzas como tu. Afinal sempre vencemos o cancro, Papá. Há tanta coisa que eu não sei. E eu pensava que sabia tudo. Só agora me apercebi de verdade que não voltas, que deixas-te de existir. E doi tanto. Como é possível? Ainda á uns dias atrás falavas, respiravas, mandavas vir comigo e rias-te a seguir. Pergunto-me como é que a palavra saudade só existe em português se morre gente em todas as línguas. E sinto a coragem a fugir-me, fazes-me tanta falta.
Quero tanto abraçar-te, tocar-te nas mãos e nas veias salientes como fazia quando era pequeno. Mexia-te nas orelhas frias e sentia-te ao meu lado outra vez. Anda beber uma cerveja comigo á esplanada na aguda, a mamã não está a ver. Vem mostrar-me o Porto e onde brincavas quando eras pequenino. Fala-me de negócios impossíveis, das tuas histórias nas boates, dos tempos da guerra. Foste sempre um soldado, Papá. Conta-me dos teus tempos de estudante e fala-me dos tempos que passas-te em Évora. Suspira-me sobre as tuas antigas namoradas, sobre as aventuras dos teus amigos ricaços, do tempo em que eras rei do teu mundo. Agora sou eu quem ocupa o teu lugar na mesa. Tudo isto parece um pesadelo. Mas aprendi uma lição aos vinte e três anos. Aprendi que o amor vence tudo. É óbvio que a morte ninguém vence. Nem um guerreiro como tu. Mas estivemos ao teu lado até ao fim, junto a ti nesta última batalha. E enchemos-te de carinho e amor verdadeiro até ao último segundo. Partis-te connosco abraçados a ti e aposto que não tiveste medo. Um homem como tu não tem medo. Eu tenho. Tenho tanto medo do futuro sem ti ao meu lado para me ajudar. Sem o teu abraço. Sinto falta de ouvir a tua voz a acordar-me de manhã para me levantar, ou á noite quando adormecia no sofá até de madrugada e me acompanhavas até á cama. É tão difícil tudo isto, tão duro, tão incompreensível. Vamos dar uma volta de carro e ver o mar. Ensina-me a conduzir de novo que eu já me esqueci. Promete-me que não me abandonas, que de alguma forma ficas comigo. Eu sei que não podes ser só uma memória, eu sou parte de ti, porra! Acorda! Acorda-me deste sonho mau! Deixa-me ir dormir para o vosso meio como antigamente. Não estou preparado para esta dor. Vamos os dois ás compras, liga á mamã e pergunta o que falta em casa. Compramos camarão e fazes aquele petisco. Eu bem te pedi a receita, e agora?! Sei que leva limão e azeite, mas falta o resto. Falta seres tu a fazer. Vamos assar daquelas linguiças picantes em álcool. Vês! É por tua causa que estou gordo. Leva-me a trabalhar contigo, eu fico a ouvir música no carro á tua espera. Compra-me roupa, Papá. Vamos fazer as compras de natal. Eu sei que não temos dinheiro. Mas tu arranjas, sempre arranjas-te. Liga á avó Guidinha e diz que vamos lá almoçar! Já está o avô a mandar vir contigo, que chato. No caminho de volta vamos rir e falar mal dele. Mostra-me a casa de lavoura e conta-me histórias sobre o padrinho. Vamos á ria comer um prato de camarões e ficar com os dedos a cheirar a mar. Vamos até á ribeira almoçar e levamos o Jorginho. Ele quer vir também. Hoje é sábado, daqui a bocado é hora de jantar. Ficamos com a roupa a cheirar a comida, deixa-me adivinhar… a avó Emília fez assado. A seguir vamos todos tomar café ao parque. Tu ficas a conversar com o tio Jorge enquanto eu e o Jorginho vamos jogar á bola. A aipal deve estar a abrir para irmos comprar croissaints quentinhos. Amanhã é domingo e vamos almoçar a Maçeda. Já sei que tenho que acordar cedo, Papá! Não precisas de gritar.
Volta. Não sei o que tenho de fazer mais para te convencer a voltar. Desculpa. Eu sei que querias tanto estar aqui comigo, connosco. É tudo tão estranho sem a tua presença. Queria tanto que os meus filhos te conhecessem. Soubessem o avô fantástico que tu irias ser. O homem maravilhoso que tu és, Papá.
Faltam-me as palavras, no lugar delas nascem lágrimas. No teu lugar nasce uma saudade que não passa. Por hoje disse-te tudo e é tão pouco. Temos tempo, eu sei que estás aqui. Amanhã conversamos mais um bocadinho. Até ao dia em que nos vamos encontrar outra vez, Papá. Amo-te para sempre. Um beijo enorme do tamanho do nosso amor. Do tamanho desta saudade maldita.

4 comentários:

  1. É demasiado grande para as palavras. Nunca vai haver suficientes, amor :) *

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  2. Adoro-te. Simplesmente. As tuas palavras são do outro mundo *

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  3. é sempre um momento muito difícil, já passei pelo mesmo não faz muito tempo (não o meu pai mas sim a minha mãe). Mas sei uma coisa... é que onde quer que estejas ele está ao teu lado e muito orgulhoso de ti.

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  4. adorot meu maninho* es o meu artista do coracao :)

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